23 janeiro 2012
A DISCRIMINAÇÃO DE IDADE
Decifre essa charada:
Não tenho muito cabelo, não tenho todos os dentes,
tenho dificuldade para andar, preciso de ajuda para me vestir, com
freqüência sou incompreendido e às vezes me sinto indesejado. Quem sou?
Se você respondeu "uma criança", está certo. Se disse "uma pessoa idosa",
também acertou. Esses dois grupos têm muito em comum, mas há uma diferença
importante. Os frágeis idosos - e os maduros saudáveis - têm porta-vozes
para ajudá-los a mostrar de que precisam. As crianças não têm essa ajuda;
raramente são levadas a sério, e às vezes são castigadas por tentarem,
pelos poucos meios a seu alcance, mostrar que seus direitos humanos estão
sendo violados.
A primeira vez que notei a semelhança entre os muito jovens e os muito
velhos foi em Ohio,em 1982. Minha sogra Anabel, meu filho Jason e eu
estávamos visitando os pais de Anabel,por volta dos oitenta anos. Na hora
de partir, peguei os sapatos de Jason e o ajudei a se calçar. Dei uma
olhada em torno e sorri ao observar Anabel ajoelhada, amarrando os sapatos
do vovô.
Jovens e idosos são incapazes de cuidar sozinhos de seu corpo - eles
necessitam e merecem uma ajuda respeitosa. Mas as semelhanças vão além da
necessidade de ajuda física.
Há alguns anos, na cidade onde moro, uma mulher de oitenta anos que tem
artrite e osteoporose, resolveu dar um passeio no centro da cidade.
Dolorosamente encurvada, ela caminhava lentamente pela calçada. No início
ela se sentiu ignorada pelos estranhos que passavam por ela, e sentiu
solidão no meio da multidão. Até que alguém a notou e disse: "Vejam uma
corcunda!" Chocada, ela não disse nada. Chegando em casa ela caiu em
prantos ao contar a história a seu filho. E acrescentou, pesarosa: "Antes
diziam que eu era bonita".
Uma vez em uma reunião ao ar livre escutei uma jovem mãe repreender seu
filho de um ano: "Ponha a camisa, você parece bobo!".
No mercado, um garoto de quatro anos tentou levantar uma compra pesada que
seu pai havia acabado de escolher, mas não conseguiu. Em vez de ajudar o
filho, o homem ficou bravo e o xingou.
As crianças e os idosos costumam ser criticados por coisas que estão fora
de seu controle - eles merecem nossa compreensão. Não podemos culpar os
idosos por sua fragilidade e pela perda da juventude, nem as crianças
pelas coisas que ainda não aprenderam a fazer. Mas a semelhança no modo
como a sociedade trata esses dois grupos vai ainda mais longe.
Os dois grupos sentem que suas necessidades são desprezadas quando
interferem com as necessidades dos outros. Os idosos lutam contra a
discriminação de idade no trabalho e as famílias combatem a política de
habitação "sem crianças". Quando crianças e idosos expressam suas
opiniões, geralmente têm dificuldade em ser ouvidos. Espera-se que as
crianças "fiquem em seu lugar" - em casa, na escola ou na creche - e que
os idosos "desapareçam aos poucos" e graciosamente do resto da sociedade.
Está acontecendo algo estranho: afinal, todos já fomos crianças e se
tivermos sorte também seremos idosos.
Os programas sociais para crianças e para idosos naturalmente refletem
essas atitudes negativas e tendem a preencher as necessidades das
instituições que isolam esses grupos e fazem vista grossa às necessidades
individuais. Há mais dinheiro disponível para o atendimento institucional
do idoso do que para o tipo de atendimento que permitiria que ele
permanecesse em casa - como a maioria preferiria. Da mesma forma, os
políticos prometem mais creches em vez de oferecer ajuda financeira ou
descontos de impostos para as mães ficarem em casa com os bebês e
pré-escolares, como as crianças prefeririam.
Tanto as crianças quanto os idosos merecem ter mais alternativas de onde e
como passar o seu tempo, e não deveriam ficar totalmente à mercê das
decisões dos outros. Além disso, nossa sociedade aceita melhor a
necessidade de se aumentar as opções para o idoso do que a idéia de dar
mais liberdade às crianças, consideradas seres de natureza diferente do
resto da humanidade - são propriedade e não seres humanos com direitos
humanos.
Em resposta àqueles que temem a expansão dos "direitos das crianças", o
educador John Holt diz:
"Se eu tivesse que criar uma regra geral para conviver e trabalhar com
crianças, seria essa: tome muito cuidado para não diver ou fazer a uma
criança nada que você não faria a um outro adulto, cujo afeto e estima
você valorize. É claro que se virmos alguém andando em direção a um bueiro
aberto ou correndo algum risco sério, vamos gritar: 'Cuidado!' É com esse
espírito que freqüentemente iremos interferir, com justiça, na vida das
crianças".
Mas isso não tem quase nada a ver com a "autoridade dos adultos" , uma
espécie de direito e obrigação geral de dizer às crianças o que fazer.
Seria igualmente direito e natural um garoto de oito anos que eu conheço,
exímio esquiador, dizer a um adulto que uma determinada pista de esqui é
difícil demais para ele e que ele deve evitá-la. Quem fala aqui não é a
autoridade da idade, mas a autoridade da experiência e do melhor
entendimento, que não têm necessariamente a ver com idade".
Não são apenas os esquiadores de oito anos que têm experiência suficiente
sobre determinado assunto para nos aconselhar: um recém-nascido que recusa
a mamadeira está nos alertando, da única maneiraque pode, para a
superioridade do leite materno. Um bebê que chora quando não está no colo
é uma autoridade na importância fundamental do vínculo criado pela
proximidade física. Uma criança que chora à noite está expressando a
sabedoria de séculos de famílias que dormiram juntas.
Precisamos nos libertar dos estereótipos de idade, para apreciar e
respeitar pessoas de todas as idades. Mas enquanto não chegarmos a esse
ponto precisamos de leis e de porta-vozes oficiais para as crianças e para
os idosos.
Na Escandinávia os idosos recebem subsídio do governo para permanecer em
casa, recebendo refeições, transporte e cuidados gratuitamente; as
crianças têm leis que estimulam o aleitamento materno, proíbem o
espancamento e a intimidação, e até regulamentam a construção de novos
edifícios mais adequados do ponto de vista das crianças.
Na Noruega existe um "Comissário das Crianças", um porta-voz público que
protege os direitos das crianças - o primeiro do mundo.
Esses programas bem-sucedidos trazem a esperança e o exemplo para o
trabalho que temos pela frente. Iniciamos o processo de legalizar os
direitos dos cidadãos maduros e ainda há muito o que ser feito. Também
precisamos pensar nos direitos das crianças, que não podem defender a si
mesmas e portanto são o grupo mais vulnerável em nossa sociedade.
Como o Dr. Seuss nos lembra: "Uma pessoa é uma pessoa, por menor que ela
seja" - ou por mais frágil. Devemos tratar uns aos outros com amor e
respeito, sem preconceitos e expectativas relativas à idade. Quando as
crianças e os idosos forem valorizados por seu espírito eterno, todos
viveremos com mais liberdade e alegria.
AUTOR: Jan Hunt, Psicóloga Diretora do "The Natural Child Project"
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